- Por Flávia Macedo, Lais Watanabe e Nádia Nunes
A palavra culpa vem do latim culpa que significa delito, falta, erro. Para a psicanálise o sentimento de culpa sugere um segundo sentimento que é o de fracasso e por consequência o sentimento de impotência, incompetência. A culpa também é um sentimento que acompanha com frequência o paciente durante todo o tratamento, causando pensamento autodestrutivo e sentimento de remorso, por tempo indeterminado. Alguns sentimentos, no entanto, negativos causam grande sofrimento e desencadeiam comportamento de fuga diante do tratamento e dificuldade em todo o processo. É muito comum durante as sessões de terapia ouvirmos questionamentos como “O que eu fiz para merecer isso?” ou “Será que estou pagando pelos meus erros/pecados”?
Os muitos paradigmas que ainda permeiam o diagnóstico do câncer, sua possível gravidade e as mudanças que pode causar na vida do paciente, levam a um processo desencadeador de diversos sentimentos e emoções e um deles é a culpa, porque o paciente acredita que fez algo errado ao longo da vida. Essa emoção advém da falta de conhecimento, que muitas vezes leva o paciente e seu cuidador a precipitar interpretações negativas.
A escuta qualificada do profissional psicólogo facilita a validação de emoções mais positivas, permitindo ao paciente entender melhor todo seu processo de tratamento. Para a psicologia, a culpa é baseada na frustração, ou seja, está ligada à violação do nosso saber nos cuidar. Diante de todo o desgaste físico e emocional vivenciados pelo paciente perante o diagnóstico de uma doença maligna, que o coloca em iminência de morte e que o faz submeter-se a procedimentos terapêuticos invasivos e até mutilantes, o indivíduo é tomado por sentimentos de raiva, medo, angústia, pena de si mesmo, além da sensação de ter perdido o controle em relação a sua vida.
Na mente do paciente, quando a culpa se faz presente, consequentemente leva a uma fragilidade emocional significativa, afetando seu mental e causando emoções como a desorientação sobre suas ações, desânimo e pensamentos negativos, além de passar a viver mais do passado, o que prejudica drasticamente a realidade do dia a dia e perda do sentido do agora.É próprio do ser humano sentir-se culpado, pois ele tem uma consciência e é guiado por seus valores. Ao levar em consideração que fez algo errado ou deixou de fazer o que deveria ser feito, a pessoa se sente culpada e responsável por isso.
Também é muito comum sentir emoções como raiva, angústia e desânimo diante de um diagnóstico de câncer, uma doença onde até a própria palavra assusta o paciente. O impacto também é sentido por cuidadores, familiares e amigos. Como consequência da sobrecarga emocional, surge o descuido de si e o não cumprimento de orientações médicas. O sentimento de culpa, segundo estudos da Universidade de Princeton, pode inclusive indicar uma falsa sensação de estar acima do peso, já que a culpa é um peso que se carrega por uma falta.
Trabalhar a gestão das emoções, dentro da psicoterapia, por exemplo, pode ajudar na compreensão das atitudes responsáveis e não de culpa. Quando uma pessoa se perde de seu eixo, ela corre o sério risco de se perder de sua própria vida. O cuidado com os sentimentos, trabalhando a validação de suas emoções poderá manter um bom equilíbrio de seus pensamentos, evitando que sejam negativados e distorcidos e se isolem completamente da realidade.
Mas a culpa não é vista apenas como algo pesado e negativista de acordo com outras perspectivas, como por exemplo, a religião nos ensina que o sentimento de culpa (saudável) faz com que haja reflexão, análise e um desejo de mudança, melhora pessoal. É fundamental para o nosso desenvolvimento e maturidade. Dentro desse processo de maturação, o indivíduo pode rever suas atitudes e reconhecer suas limitações e desta forma, alcançar níveis mais elevados de maturidade tanto emocional quanto espiritual.
A importância da escuta do profissional da psicologia e de todos da equipe multiprofissional tem como objetivo permitir ao paciente ser escutado na sua fala sobre sua doença, suas angústias, suas perguntas muitas vezes sem respostas, causadoras de tantos outros sentimentos, como o medo, vivenciados pelo momento de seu processo de adoecimento, ou os muitos outros temas que o paciente julgar relevantes. O intuito é auxiliá-lo a um melhor enfrentamento da doença e a uma melhor qualidade de vida.
*Flávia Macedo, Lais Watanabe e Nádia Nunes são psicólogas da Hemomed Oncologia e Hematologia